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Running VS Science

Um blog científico cheio de curiosidades sobre a corrida, conselhos para melhorar a performance e entrevistas fenomenais a casos reais de pessoas comuns que venceram na corrida.

14 de Abril, 2021

Mais não significa sempre melhor… O que acontece quando o treino é excessivo?

Celeste Oliveira

Quantas vezes já ouvimos dizer: “Se queres melhorar tens de treinar mais!”, “Só vais atingir os teus objetivos com muito treino e o que fizeste até agora não é suficiente!”? É verdade que diferentes adaptações fisiológicas são conseguidas através de diferentes métodos de treino e essas adaptações são importantes para um melhor desempenho. No entanto, níveis de treino em excesso podem estar associados a consequências negativas para o organismo humano.

Um desenvolvido por um grupo de investigadores suecos da Swedish School of Sport and Health Sciences e do Karolinska Institutet e publicado na revista Cell Metabolism, concluiu que existe um limite de treino que o corpo consegue suportar e a partir desse limite um treino excessivo pode levar à resistência à insulina e ao comprometimento do funcionamento das mitocôndrias.

Em condições normais, o exercício afeta positivamente a saúde metabólica através do aumento da capacidade oxidativa mitocondrial e da melhoria da regulação da glucose e é a primeira linha de tratamento em várias doenças metabólicas. O músculo esquelético representa aproximadamente 40% da massa corporal total e exerce papel fundamental no metabolismo da glicose. Esse tecido é responsável por aproximadamente 30% do consumo energético, além de ser um dos principais tecidos responsáveis pela captação, libertação e armazenamento da glicose. Este grupo de investigadores, liderado por Mikael Flockhart, teve como objetivo perceber qual o limite superior de exercício que está associado a efeitos terapêuticos benéficos.

Para este estudo, onze jovens voluntários saudáveis e em forma cumpriram um regime de treino com uma carga de exercício progressivamente crescente durante uma intervenção ao longo de 4 semanas. Numa primeira fase, os voluntários pedalaram, numa bicicleta estática, durante intervalos de quatro a oito minutos ao longo de 36 minuto com alta intensidade. Na segunda fase, a duração do treino foi aumentada até 90 minutos. E na terceira fase, a duração foi aumentada para 152 minutos ao longo de uma semana. A primeira fase iniciou com 2 sessões por semana, sendo que na quarta (e última) semana, decorreram 5 sessões.

Durante as experiências, os investigadores recolheram biópsias musculares de cada um dos voluntários para medir a função e dinâmica mitocondrial. Cada voluntário também foi submetido a medições de glicose para monitorizar a resistência à insulina. Foi avaliada a capacidade de exercício físico e metabolismo de todo o corpo.

Durante as fases um e dois da experiência, a insulina permaneceu nos níveis normais e a função mitocondrial melhorou. Ou seja, o exercício normal contribui para o bom funcionamento mitocondrial. Durante a fase três, a maioria dos voluntários experimentou uma resistência à insulina semelhante à de uma pessoa que desenvolve diabetes. A respiração mitocondrial diminuiu em média 40% em comparação com as amostras recolhidas durante a fase um. Após a semana com a carga de exercício mais elevada, ocorreu nos voluntários uma redução significativa na função mitocondrial intrínseca que coincidiu com uma perturbação na tolerância à glicose e secreção de insulina.

A resistência à insulina é uma condição na qual as concentrações fisiológicas de insulina provocam uma resposta inferior à normal na captação de glicose pelas células, especialmente tecido muscular e adiposo (células de gordura). Como consequência da menor captação de glicose, torna-se necessária uma maior produção de insulina pelo pâncreas para a manutenção dos níveis glicémicos normais, aumentando-se desta forma os níveis circulantes de insulina.

Foram ainda comparados os perfis contínuos de glicemia em atletas de elite com um grupo de controlo com treino semanal máximo de 7 horas. Os atletas profissionais passaram a maior parte do tempo em hipoglicemia o que sugere perturbações no controlo dos níveis de glicose.

Os investigadores descobriram também que o consumo de oxigénio melhorou globalmente tal como os níveis de potência. No entanto, a respiração mitocondrial não recuperou totalmente após uma semana de exercício normal.

Estudo.png

As conclusões deste estudo sugerem que o treino excessivo induz uma insuficiência respiratória mitocondrial substancial, sendo que a deficiência mitocondrial está associada a variações na tolerância à glicose. O aumento do volume e intensidade de treino deve ser gradual, com períodos de tempo de adaptação mais prolongados, para que o organismo se habitue e crie tolerância.

 

Fontes:

Flockhart M et al. Excessive exercise training causes mitochondrial functional impairment and decreases glucose tolerance in healthy volunteers. Cell Metabolism (2021). DOI: 10.1016/j.cmet.2021.02.017

Pauli J et al. Novos mecanismos pelos quais o exercício físico melhora a resistência à insulina no músculo esquelético. Arq Bras Endocrinol Metab (2009): 53(4). DOI: 10.1590/S0004-27302009000400003